André Tajes
A realidade política, social e econômica atual, aliada às crises ética e moral, foi amplamente debatida por pesquisadores das principais universidades do país durante os dois últimos dias no Colóquio Ética e Democracia, na UCS. O cenário do momento serviu de pano de fundo para análises, apresentação de estudos e diagnósticos para a reconstrução do modelo da ética e da democracia brasileira.
Em um dos painéis mais aguardados, os professores Daniel Omar Perez (Unicamp) e Fernando Schüler (Insper) abordaram sobre A Crise Ética da Democracia Brasileira.
Para Perez, qualquer país viverá em uma crise social a partir das demandas populares e de diferentes setores sociais que não são atendidas, minimamente, pela ação do governo. Ele diz que se produz um descontentamento geral e provoca uma rejeição afetiva e, mais tarde, uma relação de oposição.
– Desse modo, o governo fica sem legitimidade social e política, e os diferentes setores sociais permanecem sem representatividade no Estado. O Estado acaba por não representá-los, é compreendido para fins estritamente particulares, pessoais por aqueles que ocupam cargos.
Perez compara que o sistema político do Brasil e da Argentina oferece as condições de forma “populista”, no sentido pejorativo, como uma alternativa para sair da crise.
Já Schüler aponta que há uma instabilidade crescente nas grandes democracias nos últimos 25 anos. Ele afirma que ocorreu o aumento da radicalização e que as democracias se tornaram mais polarizadas. O professor aponta duas explicações para esse fenômeno: a democracia supõe uma base de valores e de consenso e partidos protagonistas que defendam os valores democráticos e a outra linha é que não se tem uma crise dos valores da democracia e das instituições, mas um brutal aumento da crítica dos cidadãos.
– A gente não pode pensar o valor da democracia a partir dos seus resultados. Se a gente gosta dos resultados, a democracia está bem, se a gente não gosta, ela não vai bem.
Em outra observação, Schüler avaliou sobre o impacto dos meios digitais nas instituições democráticas. Segundo ele, antes da internet, os cidadãos, os partidos políticos, os sindicatos e a imprensa faziam o filtro das opiniões para a população. Agora, cada cidadão descobriu que pode se representar.
– As instituições da democracia não estavam preparadas para a tecnologia digital. A tecnologia deu porteira para as minorias barulhentas.
ENTREVISTA: VLADIMIR SAFATLE
“Hoje, a gente não vive em uma democracia no Brasil”
Vladimir Safatle é professor de Filosofia da USP. Ele também participou do Colóquio Ética e Democracia, abordando o tema Democracia e Imparcialidade. Na quinta-feira, conversou com o Pioneiro.
Pioneiro: Qual a contribuição da Operação Lava-Jato para o país?
Vladimir Safatle: É tudo muito ambíguo. Haveria a possibilidade de colocar em questão toda a estrutura do sistema político brasileiro, mostrando como ela (a estrutura) depende – em todas as suas instâncias, independente de quem ocupa os cargos fundamentais do poder – de processos profundos de relações muito incestuosas com a classe empresarial. Mas, ao que parece, isso não vai acontecer. O máximo que vai acontecer é uma ou outra figura pública ser julgada enquanto o processo de relação incestuosa de dinheiro e poder vai continuar intocado em larga medida. Hoje (quinta-feira), o Supremo Tribunal Federal retirou o (presidente Michel) Temer do processo ligado à Petrobras, o que demonstra como toda essa luta contra a corrupção tinha um lado muito farsesco. Uma luta contra a corrupção é uma luta geral. É uma luta que não conhece partido, não conhece figuras, personalidades, ela é absolutamente simétrica em relação a todos. E não foi isso que aconteceu. Isso é muito ruim para o Brasil.
Houve uma transformação ética com a Lava-Jato?
Poderia ter tido, mas não foi isso que aconteceu. Na verdade, houve uma espécie de instauração de um cinismo generalizado. Você se indigna contra certos casos de corrupção, mas o seu ritmo de indignação é diferente dependendo de quem é o acusado. Tem um caráter muito parcial esse processo. Existem três grandes grupos: aqueles que estão vinculados ao horizonte do antigoverno e que se indignam quando representantes do governo são colocados no banco dos réus, têm aqueles que eram oposição ao antigo governo e, pelo simples fato de que personalidades do antigo governo sejam colocadas no banco dos réus, isso já basta, e têm aqueles que gostariam de fato de ver um processo absolutamente extenso de combate à corrupção no Brasil. Esse terceiro grupo deve estar, neste momento, mais desgostoso com tudo.
Na sua opinião a Lava-Jato atropelou direitos?
Sim, teve momentos que foram muito problemáticos. Poderia citar um que é da ordem do inaceitável. Grampear um presidente da República de maneira ilegal e depois apresentar esses grampos em rede nacional de televisão e grampear, inclusive, o advogado de um acusado, isso é impensável dentro de um regime democrático.
Como o senhor avalia a democracia do país?
Não existe democracia no Brasil, hoje. A gente não vive em uma democracia. É uma farsa falar que o nosso regime é democrático. Nosso regime é uma cleptocracia (Estado governado por ladrões). A gente é governado por uma cleptocracia, ou seja, uma casta política completamente envolvida, organicamente envolvida em processos de corrupção. O Brasil nunca teve um presidente em exercício, que está sendo julgado. Eu não me submeto a alguém que está sendo julgado e não sei por que o resto da população deveria se submeter. Eu faço todas as minhas coisas corretas e ninguém nunca me julgou, e por que a gente tem que se submeter a alguém que está sendo julgado e que foi pego em flagrante delito de prevaricação, de relações incestuosas com corruptores? As gravações estão aí. A população inteira ouviu. Chamar um regime que deixa uma situação como essa se perpetuar como se ela fosse normal, isso não é uma democracia.
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