Encontrar um produto por R$ 1,99 nas lojas populares de Caxias do Sul não é tarefa fácil. O preço que atraía multidões na década de 1990 ainda está nas fachadas. Porém, em meio às miudezas e produtos maiores, quase nada mais é vendido por R$ 1,99. Há muitos artigos abaixo desse valor e muitos bem acima do que se imagina de um estabelecimento do gênero.
Nas seis lojas do setor percorridas pelo Pioneiro, poucos produtos que outrora faziam a festa da população das classes mais baixas foram localizados.
As lojas surgiram no Brasil há 18 anos com letreiros chamativos que anunciavam a famosa frase:' tudo por R$ 1,99'. Eram consideradas na época sinônimo de baixa qualidade. O que preparou o terreno para elas foi o Plano Real, que deu origem à atual moeda brasileira e à estabilidade econômica do país.
Com a valorização do Real diante do Dólar, o poder de compra sobre as baratas mercadorias chinesas aumentou. Com o plano, a moeda brasileira se equiparou à norte-americana e, em alguns momentos, chegou a valer mais.
- Isso possibilitou o início das lojas com o conceito de venda por preço único. O Real ficou uma moeda forte, permitiu a importação de produtos da Ásia com preços acessíveis. O período coincidiu também com o ganho de renda do consumidor brasileiro - disse o idealizador e diretor da Feira 1 a 99 Brasil, Eduardo Todres. A feira ocorre duas vezes por ano em São Paulo e reúne lojistas, distribuidores, representantes, indústrias e importadores que atuam no varejo popular em todo o Brasil.
No auge do segmento, era possível mesmo entrar num estabelecimento e nem perguntar quanto custava cada mercadoria. Era tudo pelo valor único anunciado. Depois, com as alterações cambiais, que tornaram os itens chineses mais caros, e a inflação, os comerciantes não conseguiram mais manter a ideia inicial.
- Começou a mudar a partir de 2002 ou 2003. Os lojistas passaram a colocar produtos um pouco mais caro, de R$ 4,99, R$ 9,99, porque infelizmente houve aumento de custos e eles tiveram que repassar esses custos. E também porque os consumidores queriam novos produtos - ressaltou Todres.
A própria feira que ele preside teve que passar por ajustes para acompanhar a transformação. Criado em 2000, o evento chamava-se Feira 1,99 Brasil. Agora, a vírgula saiu, e a denominação remete a artigos de R$ 1 a R$ 99. No entanto, nas fachadas das lojas a referência continua. Segundo Todres, é porque o número virou uma marca de uso público de que no ponto há objetos mais em conta do que no mercado tradicional.
Como surgiu o preço único R$ 1,99, que prevalece como marca até hoje, ainda é uma incógnita.
- Acredito que, como no exterior existiam lojas de preço único, no Brasil, para que isso fosse viável, calculou-se não só Dólar e o Real, mas também os impostos de importação. E o preço ideal de venda final ao consumidor era de R$ 1,99. Isso permitia comprar no exterior, computar os custos dos impostos e chegar em um preço único para o consumidor final - explica Todres, que atuou no setor.
O fato é que o número não arredondado causava incômodo aos consumidores. Nem todos saiam satisfeitos em deixar R$ 0,01 de troco para a loja. Isso contribuiu para formar uma imagem do setor: de que adotava essa estratégia para crescer em cima dos centavos dos clientes.
Proprietário da Analu Bazar, Vilson Trevisan, 60 anos, aboliu os itens de R$ 1,99. Um dos motivos é o troco. Ele está no ramo há dois anos.
- Faço mais barato que R$ 1,99 por causa do troco. Uma cola que poderia ser por esse preço, coloquei R$ 1,75. Por causa de um centavo, o pessoal sai bravo. Ficamos vendo pelas pessoas que entravam. Se a gente não tinha troco e perguntava se poderia dar uma bala, a pessoa dizia 'por que coloca a R$ 1,99 se não tem troco'. Então fizemos assim para evitar que a pessoa não volte mais - conta Trevisan. Apesar da mudança, o comerciante manteve na fachada a informação 'a partir de R$ 1,99'. Porque virou marca, símbolo de custos baixos pra os clientes, mesmo que miudezas abaixo desse valor possam ser adquiridas.
- Se você colocar R$ 1,50 não vende. Tem que ser R$ 1,99. É psicológico - brinca outro comerciante, Sebastião Rodrigues, 57 anos, proprietário da Pró-Lar, localizada na Rua Moreira César, no bairro Pio X.