É inegável, Queren é pequena, mede apenas 1m50cm, e momentaneamente arrasta a autoestima pelo chão. A mulher, contudo, é uma gigante da cidadania. A operadora de caixa não demorou mais que um punhado de horas para transformar uma piada de cunho racista em cavalo de batalha.
Na terça-feira, ela foi abordada no trabalho pelo fundador da rede de supermercados Andreazza:
- Você sabe a semelhança entre um Fusca quebrado na esquina e uma negra barriguda?
Diante do titubeio de Queren, uma funcionária emendou:
- Você não entendeu? Os dois estão esperando um macaco!
Eram 11h. A ficha caiu, Queren foi se esconder no banheiro do súper para chorar, retornou ao posto, chorou de novo e, sem condições, pediu licença para ir para casa. Foi confortada pelo marido, Jamur, e pela sogra, Maristela, fiel escudeira na cruzada recém-iniciada.
À tarde, Queren e Maristela procuraram a polícia. Antes de denunciar o episódio ao Pioneiro, no começo da noite de terça, a futura mamãe consultou o obstetra para saber de Pedro Henrique, um tanto agitado na barriga por causa dos recentes sobressaltos. Pedro Henrique passa bem.
É por causa dele que os objetivos de Queren são cristalinos: ela quer evitar sofrimentos ao filho e a outras pessoas. Pedro Henrique nascerá dia 6 de junho. O geminiano traz uma das características que enriquecem o povo brasileiro, a miscigenação.
O menino tem, pelo menos, sangue afro, alemão e brasileiro - e o sangue brasileiro, é notório, é formado por uma variedade grande de misturas, donde se conclui que Pedro Henrique terá também heranças biológicas indígenas e europeias, além da alemã da vó Maristela Vaz Bücker.
A seguir, os principais trechos da conversa travada na tarde de quarta-feira, antes do depoimento prestado à polícia.
Pioneiro: Como foi sua quarta-feira?
Queren: Fiquei a noite inteira pensando naquilo, meu marido está com virose, está meio ruim. Então, na verdade, eu nem consegui cuidar dele direito. Ele nervoso com isso, eu não sabendo o que fazer. Então eu estou me calando, eu não queria nem sair na rua. Por mim eu me esconderia.
Pioneiro: Seu marido é branco. A senhora sente que as pessoas tratam vocês diferente?
Queren: Tu vai andando na rua, as pessoas te olham, te medem... Quando ando na rua com meu marido, olham para mim, para ele... Tipo: o que está fazendo com ela
Pioneiro: O que passa pela sua cabeça nesses momentos?
Queren: Que diferença faz? O que tem de diferente? Branco é homem e negro é bicho
Pioneiro: O que seu marido está achando disso tudo?
Queren: Ficou revoltado, transtornado. Usou palavras para me acalmar, eu tentei minimizar as coisas, mas ele ficou muito nervoso. Acordou hoje de manhã para ir trabalhar e perguntou se eu estava bem, se o bebê estava bem. Tentei não expressar o que eu estou sentindo para ele não ficar pensando coisas.
Pioneiro: A senhora comentou que sentiu preconceito antes do episódio no trabalho. Pensou em ir embora de Caxias?
Queren: Antes de isso acontecer, sim.
Pioneiro: Por quê?
Queren: Pela cidade, não me adaptei, não me sinto bem, não é uma cidade acolhedora.
Pioneiro: Que tipo de sentimento a senhora tem desde terça?
Queren: Estou me sentindo pequena...
Pioneiro: Que recado a senhora daria para alguém que fere outra pessoa?
Queren: Que Deus faça justiça, primeiramente. Que essa pessoa sinta na alma o que estou sentindo por dentro. Não sei se ele tem sentimento dentro dele, mas se tiver, quero que sinta por dentro...
- Mais sobre:
- geral