A velocidade da fome não é a mesma da preocupação que o poder público ou até mesmo a população tem com ela. Nas periferias, nem sempre a proximidade do Natal causa ansiedade ou euforia. Na verdade, há quem lamente a chegada da data mais comercial do ano. Não apenas porque há crianças sem brinquedo para desembrulhar, mas porque muitas famílias encaram o Natal como mais um dia com a barriga vazia.
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— Eu não gosto do Natal. É difícil saber que estou jantando com minhas filhas enquanto há famílias que não vão ter comida decente na mesa. Minha filha está comendo, mas e a dos outros, não — desabafa o líder comunitário Carlos Alberto Rodrigues, 40 anos, conhecido no bairro Santa Fé como Carlão.
Junto a outras lideranças de um dos bairros mais pobres de Caxias do Sul, Carlão se esforça para garantir o Natal de muitos. Nesta época, a solidariedade de muitos aflora e faz com que partilhem o que podem, estendendo a mão ao próximo e garantindo ao menos um prato de comida ou um presente. Neste ano, em virtude da crise financeira que fechou mais de 8 mil postos de trabalho nos últimos 12 meses, menos doações apareceram na casa de Carlão. Na contramão, aumentou o número de vizinhos batendo na porta pedindo comida. Ele diz que há dias que até dez crianças aparecem lá reclamando de fome. Mesmo assim, engana-se que por ter menos posses, o Natal dos bairros mais pobres é sem graça.
— O pobre tem a capacidade de partilhar, de vestir e precisar do mínimo. E este é o espírito do Natal. O máximo do Natal é o encontro, o conviver em família. É renascimento, é perdoar. O resto é enfeite — descreve o frei Emiliano Dantas, que desenvolve trabalho em bairros da Zona Norte.
Durante dezembro, uma ação organizada nos bairros pobres pelo frei traduziu o sentido de comunhão. Ele distribuiu 400 panetones para o mesmo número de famílias. A contrapartida para receber a doação era que a família se reunisse para comê-lo e postasse uma foto do encontro nas redes sociais.
— Minha ideia não era só doar o panetone, mas garantir um encontro em família. Fazer a partilha é o verdadeiro sentido do Natal, é estar junto — descreve o frei.
Independentemente do nível social, a professora de Psicologia Raquel Furtado defende que todas as crianças encaram o Natal da mesma forma: todas querem brincar. A diferença é que algumas lidam com a frustração de não receber o presente, e o substituem pelo carinho da família.
— Os mais humildes se unem para suportar as carências, e acabam driblando a ausência do material, que nem é tão importante. O que quer dizer mesmo sobre o Natal é a espiritualidade de cada um, os valores reforçados na data — destaca.
E há um futuro cheio de esperança e vontade que chega por aí. Neste fim de ano, o Pioneiro convidou crianças e uma família inteira para vivenciar algumas experiências pela primeira vez. Longe de bens materiais, a intenção é comprovar que não é preciso nenhum presente embrulhado para garantir um Natal feliz a todos.