Adriano Duarte
Contrariando recomendações do Ministério Público (MP), médicos da rede municipal de Caxias do Sul não pretendem aderir ao novo sistema de controle da jornada de trabalho. O sindicato da categoria inclusive anunciou que os profissionais não cadastrarão as digitais para implantação do relógio ponto biométrico.
Os equipamentos considerados mais eficientes contra fraudes foram instalados em 15 UBSs. A previsão é expandir o sistema para todos os 47 postos em 90 dias. Tudo indica, porém, que somente enfermeiros, técnicos em enfermagem e demais funcionários colocarão a digital no aparelho para confirmar, de fato, que estão trabalhando.
A decisão do Sindicato dos Médicos é polêmica, mas vigora há anos. Pela jornada de 20 horas semanais, um médico a serviço do município recebe R$ 4,5 mil mensais, incluindo bonificação estabelecida em acordo para encerrar a greve de oito meses em 2011. A Federação Nacional dos Médicos pede piso de R$ 10,9 mil.
Hoje, a jornada é controlada em livro-ponto. Tal sistema é frágil, pois os próprios médicos admitem que não cumprem a carga horária e realizam consultas a jato. Boa parte atende 16 pacientes em uma hora e volta para os consultórios particulares. Contudo, recebem pelas 20 horas semanais. A justificativa dos sindicalistas é de que o médico exerce a função por produtividade, sem se ater à quantidade de horas trabalhadas.
O presidente do sindicato, Marlonei Santos, diz que haverá contrapartida para a falta de adesão ao ponto biométrico: os médicos atenderão duas pessoas a mais todos os dias nas UBSs. Se os médicos das UBSs receberem dois pacientes a mais por dia, seria possível abrir 100 novas consultas nos postos de saúde, no mínimo. A quantia pode corresponder a um quinto do atendimento diário do Postão.
- Hoje consultamos 16, e agora vamos receber 18 pacientes. Já comunicamos a prefeitura e até tomamos chimarrão depois do acordo - revela Marlonei.
A medida, segundo o sindicalista, também abrangeria os dentistas do município, paralisados por melhores salários até sexta-feira. A secretária municipal da Saúde, Dilma Tessari, minimiza e nega qualquer acordo prévio. Segundo ela, o novo sistema ainda está em fase de testes.
- Vai demorar até tudo estar funcionando. É cedo para definir qualquer coisa, ainda vamos conversar com os médicos sobre isso - reitera.
A diretora-geral administrativa da Saúde, Marta Fattori, explica que o cadastramento das digitais começou pelas UBSs do interior. Servidores do prédio central da secretaria e dos Centros de Atenção Psicossocial também já registram a jornada com as digitais.
Os 190 agentes comunitários da Saúde não serão cadastrados para o relógio biométrico. Segundo Marta, eles atuam em áreas de abrangência específicas de cada bairro, o que inviabiliza o controle pelo sistema.
Em Caxias, são cerca de 300 médicos que atendem pelo município.
ENTENDA
:: Um médico contratado por 20 horas semanais, por exemplo, recebe R$ 4,5 mil mensais (salário + bonificação). Deve trabalhar na UBS quatro horas por dia.
:: O Sindicato dos Médicos, porém, mede a jornada pela produtividade, não pela carga horária. Para chegar a cota atual de 16 pacientes/dia, os médicos se amparam no tempo médio considerado ideal para uma consulta: 15 minutos. Dividindo a jornada de quatro horas diárias pelos 15 minutos de consulta individual, é possível avaliar 16 pessoas.
:: Ocorre que o público é recebido em bem menos tempo. Há consultas que sequer demoram cinco minutos. Ou seja, os 16 pacientes que deveriam ser atendidos em quatro horas são avaliados em pouco mais de uma hora.
:: De acordo com o contrato, o médico ainda teria três horas para trabalhar na UBS. Como encerrou a cota do dia, porém, o profissional volta para seus afazeres particulares. Detalhe: a jornada de quatro horas é assinalada normalmente no livro-ponto pelo próprio médico.
:: Se aderissem ao registro biométrico, os médicos não poderiam realizar consultas a jato ou executar tarefas particulares dentro das quatro horas diárias. Ou seja, teriam que sair e voltar para registrar o ponto.
:: Por outro lado, se o médico aplicasse o tempo de sobra para atender mais pacientes na UBS, a fila por especialistas e a sobrecarga no Postão 24 horas (onde a espera chega a seis horas) seriam reduzidas. Mas o sindicato alega que o salário pago pela prefeitura não é o suficiente para consultar mais do que 16 pacientes/dia. A oferta de salário do SUS estaria defasada em relação ao mercado privado.
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