Profundamente tocado pelo assassinato do menino Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, em Três Passos, supostamente morto pelo pai, o médico Leandro Boldrini, 38 anos, e pela madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini, 32 anos, o frei capuchinho e colunista do Pioneiro, Jaime Bettega, se manifestou na noite de terça-feira.
Bettega convida as famílias a refletirem sobre a tragédia, sob a ótica da relação com seus filhos. Veja o que o também padre, administrador de empresas e professor universitário diz:
Família precisa valer a pena
Aos onze anos, a vida tem diante de si um horizonte quase infinito de possibilidades e de sonhos. Não existe uma idade específica para ter sonhos. Ou melhor, os sonhos não têm idade. São sempre intensos e plenos de criatividade. Não há necessidade de uma formação específica: assim como se aprende a respirar, aprende-se a sonhar. Nesta faixa etária, a vida é leve, suave. As brincadeiras parecem ocupar a imaginação, o riso é solto ao ponto de se tornar gargalhada, em alguns momentos.
Porém, nem todas as crianças têm a mesma sorte. Falo do menino de Três Passos. Uma injeção letal teria abortado todos os sonhos, descolorido todos os horizontes. Notícia chocante: pai, madrasta e amiga detalharam um enredo horrível que culminou com a morte desse pequeno sonhador. Talvez desejasse ser médico ou simplesmente um adulto com o coração de criança. A vida foi interrompida. Seu corpo perdeu a vitalidade, sua voz foi calada.
Para além da lamentação, há um aprendizado à espera de todos os pais que ainda acreditam num outro mundo possível. Não só os pais. A sociedade, tão acostumada com a violência e com a banalização da vida, poderia fazer um minuto de silêncio interior e repensar valores, redesenhar outros relacionamentos. O sangue de um inocente não pode secar ou desaparecer sem instigar transformações.
Dias antes do término de sua rápida passada por este mundo, na escola, o pequeno menino de Três Passos desenhou uma chave. Não desenhou um carro, uma mansão. Queria simplesmente, com aquela chave, entrar em casa, ter uma família, ser amado. Seguidamente a madrasta, com o aval do pai, o deixavam ao relento da rejeição e do desconforto. Quem sabe quantas mortes esse menino já havia provado. Sim, a rejeição mata, aos poucos, a esperança, o desejo de viver, os sonhos.
Gerar uma nova vida é missão dos pais. Cuidar dessa vida até a conquista da autonomia é continuidade do amor que não cansa de gerar e plenificar. O papel da família é insubstituível. Prover coisas materiais é apenas um momento. Acompanhar o crescimento, aplaudir conquistas, indicar novos caminhos é tarefa intransferível. Nenhum outro espaço será capaz de fazer o que a família pode e deve fazer, com o enunciado de educação.
A família existe para educar. Somente quem ama é capaz de exercer esse papel. Os fatos estão mostrando que há uma lacuna na missão da família. Filhos precisam de algumas coisas materiais, mas necessitam de muito amor. Lares estão cheios de apelos eletrônicos e carentes de afeto. Quando se trata de convivência familiar, o investimento deveria ter maiores proporções. O menino de Três Passos está a nos ensinar que a vida é maior do que tudo e que família precisa valer a pena.
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