O crescimento e a consolidação do turismo em Bento Gonçalves tem nome e sobrenome: Tarcísio Vasco Michelon. Apontado por líderes políticos, empresários e cidadãos como o responsável pela articulação do trade turístico local, o bento-gonçalvense admite que foi visionário. Apostou no setor quando acreditava-se que a única fonte de renda da região deveria partir do metal-mecânico.
Para criar a Maria Fumaça, trem que transporta turistas nos 23 km que ligam Bento a Carlos Barbosa, Tarcísio pegou carona com um maquinista que conduzia vagões de cargas pelo trecho, há 25 anos. Atento aos comentários experientes do maquinista, confirmou que o negócio seria viável. Foi responsável por convencer agricultores do Vale dos Vinhedos e Caminhos de Pedra a abrirem as portas de casa e proporcionarem vivências rurais para turistas. Os colonos protagonizavam o serviço oferecendo taças de vinho e o salame produzido no porão de casa.
Tarcísio articulava com a recém-nascida agência CVC a vinda dos grupos, com o público excedente de Gramado. Se encarregava de levá-los até as casas, atuando como guia turístico, e também estipulava a comissão que os colonos recebiam.
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Seu Tarcísio, como é popularmente conhecido, tem 66 anos e é engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Chegou a trabalhar em uma multinacional em Canoas, mas voltou para a terra natal quando percebeu que a vocação turística de Bento havia estagnado - pela falta de asfalto na década de 1960 e devido a rival novidade dos veraneios no Litoral.
Filho de hoteleiros, o empreendedor está completando neste mês 35 anos de trabalho na rede de hotéis DallOnder, onde é diretor-executivo. Recebeu a Medalha Mérito Farroupilha em agosto de 2013, disntição concedida pela Assembleia Legislativa a personagens que contribuem para o desenvolvimento do Estado. Gosta de lembrar que figurou a série Gente que Faz, composta por 230 minidocumentários realizada para o antigo Bamerindus e exibida durante quatro anos em horário nobre, na Rede Globo, na década de 1990.
Também preside o instituto Tarcísio Vasco Michelon, que trabalha com quase 300 crianças em situação de vulnerabilidade social.
Não é inusitado que um engenheiro mecânico seja a principal referência na implantação do turismo da região?
Sou oriundo de uma família natural de Caxias do Sul, em que meus antepassados, meu avô e meu pai, eram líderes comunitários. Tinham uma formação humanística. E transmitiram isso a mim. Então, a forte formação humanística se uniu à realização objetiva de um engenheiro. Esta combinação vem conduzindo minha vida até hoje.
Quais foram os primeiros passos para a implantação do turismo em Bento?
Isto é um grande segredo que ninguém sabe. Eu desenvolvi a filosofia no meu trabalho no turismo que respeitava a cultura dos nossos antepassados. Quando pedi para alguém investir na Maria Fumaça, não pedi para ser sócio. Nos Caminhos de Pedra, também não pedi. Procurei pessoas com os mesmos ideais dos nossos imigrantes, que é ser dono do próprio nariz. E esse é o sucesso. Completo neste mês 35 anos que comecei esta revolução no turismo. Fui eu mesmo quem começou. Sou filho de hoteleiros: meus pais vieram a Bento, e nasci dentro do Hotel Bela Vista, do meu pai. Estava trabalhando em uma multinacional em Canoas e identifiquei que Bento era o maior polo turístico do Rio Grande do Sul. Eu pesquisei por que perdemos essa vocação turística. Quando há uma vocação, é como uma brasa coberta apagada: parece que está morta, mas quando você assopra, você vê brilhar. Nestes 35 anos, nos defrontarmos com os turistas que chegavam e perguntavam: o que que vou fazer neste fim de mundo? Nos viramos para responder isso.
Qual era a resposta?
Perguntei para minha mãe o que os turistas gostavam no tempo dela, na década de 1940. E ela me ensinou: gostavam de tudo que era nosso. Então, a primeira alternativa foi trabalhar o folclore e o vinho. É nosso. Usei o público excedente de Caxias do Sul e Gramado e comecei a colocar aqui, parceria com a recém-nascida agência CVC. Mas os grandes parceiros na recepção turística em Bento eram as famílias pobres, os colonos que estavam falidos. Durante 30 anos, houve um fiscal do vinho em Bento muito rigoroso nas colônias. E isto desestimulou os agricultores de Bento a fazerem o próprio vinho, as famílias empobreceram. Eles precisaram acreditar em outra aposta econômica, deixando o carteado do sábado e a missa do domingo de manhã para trabalhar no fim de semana. Enfrentamos a frase: laori fati in di de festa, i vá fora pa la finestra: se trabalhar no domingo, perde tudo. Só que, como a colônia estava pobre, eles precisaram romper com isso. Porque em casa estava faltando.
O processo de convencimento destes colonos a encarar o turismo foi trabalhoso?
Foi um trabalho de sappa, um por um. Demorei um ano e meio para convencer um agricultor a receber os turistas. E mesmo assim, na hora H, desistiu. Decidi levar os turistas lá sem ele saber. Mas eu avisei o grupo: para visitar o parreiral e comer a uva, tem que pagar cinco cruzeiros para ele. Quando terminou a visita, o colono tinha o dinheiro no bolso e vendido 26 garrafões de vinho. A estratégia de convencimento foi botar dinheiro no bolso deles. Em Flores, Caxias e Farroupilha, isto não funcionaria, porque os colonos não estavam pobres como em Bento.
Como se fez o trabalho nos Caminhos de Pedra?
Foram muitos anos de trabalho com a comunidade. Contratei um arquiteto e patrocinei o levantamento do patrimônio histórico de todos os distritos da cidade. E deste levantamento, em 1987, o arquiteto Júlio Posenato sugeriu desenvolver um projeto onde tinha o maior acervo em arquitetura rural em pedra da imigração italiana. Quando fui pedir ao poder público para contratar este arquiteto para implantarmos o trecho, recebi um solene não. Mas eu banquei. O arquiteto fez a parte técnica e eu, a parte turística. Isto mobilizou a intelectualidade gaúcha. Hoje, todo Rio Grande sabe o valor que o projeto tem.
A prefeitura de Bento contabilizou 1,2 milhão de turistas em 2014, e Caxias cerca de 300 mil. Por quê?
Uma grande diferença é a seguinte: o hotel tem que ter sete noites aproveitadas. A maioria dos hotéis são executivos, operando quatro noites por semana. Em Bento, operamos sete noites por semana. Mesmo sem grandes indústrias, preenchemos o vazio dos leitos com congressos. Sobre estes números de Bento e Caxias, não sei quais os critérios de contagem. Mas eu vou agora para Caxias com o hotel, lá tem muita coisa para fazer, com áreas fantásticas. Caxias se perdeu na indústria. Aqui em Bento, tive problemas com empresários. Eu bati e apanhei muito deles, porque manda quem tem faturamento. Os empresários daqui queriam fazer a feira de móveis com a Festa da Uva. Eu disse: meus hotéis estão cheios, hospedem onde conseguirem. Deste jeito, separei a Movelsul da Festa da Uva. Os empresários daqui queriam viver na sombra de Caxias. Quando separaram as coisas e passaram a caminhar sozinhos, deslanchou.
O que falta em termos de investimento público para que a Serra deslanche: planejamento ou infraestrutura?
As nossas rodovias precisam melhorar. A duplicação da BR-470 é necessária. É de encargo público também a construção de ciclovias. Eu estive agora na Itália, em Auronzo di Cadore, e trouxe o projeto do executivo prontinho de uma ciclovia de 25 quilômetros. É obra da prefeitura, que vai buscar dinheiro na comunidade europeia.
Empresários afirmam que a alta do dólar tem impactado positivamente no turismo nacional, já que inibe visitas ao Exterior. Aqui também?
Melhorou, sim, o fluxo, percebemos isto em julho. Em agosto, setembro e outubro, isto não se repetiu. Mas há uma expectativa para o verão. Prefiro acreditar que, em vez de crise, isto é reflexo da consolidação e divulgação de Bento como destino.
Qual é o roteiro turístico estadual hoje com maior capacidade de expansão?
Em Bento, há distritos que podem melhorar muito, como o Vale do Rio das Antas. A região dos Aparados da Serra, vizinha de Caxias, é apaixonante. Estou de olho ali. Tem tudo para explodir.
O que a Copa do Mundo ensinou ao turismo daqui? Há expectativa para Olimpíadas?
O segredo é ter atrativos de dois caráteres: permanente e eventual. Me dediquei 90% aos permanentes. Quando voltei a Bento, me diziam: turismo é Fenavinho e Festa da Uva. Mas como sustentar um negócio que só funciona 15 dias a cada dois anos? A Copa não ensinou nada. Evento é válido só para promover um destino. Não são prioritários. Portanto, não temos expectativa para Olimpíadas.
Qual o projeto que trouxe da última viagem à Itália?
Fui conhecer ciclovias. Lá, ciclovias turísticas são lançadas em grande número em antigos leitos de ferrovia. Não passa mais o trem? Coloca asfalto de três metros de largura e faz o passeio. Aqui funcionaria ao longo do Rio das Antas. O trem dá a volta, mas não pode passar de 8 a 10% de inclinação, o que pode ser feito ao longo do Rio das Antas, no antigo trajeto da Maria Fumaça, ligando Bento a Jaboticaba. Também trouxe a ideia de recuperarmos a cozinha italiana. Nossos antepassados trouxeram a cozinha que eles conheciam, de uma parte da região do Vêneto. Mas o mais sofisticado da cozinha não chegou até aqui. Tenho 5 mil receitas para trabalhar. E estamos em meio a uma crise permanente. Cresci em meio a uma série de crises. É uma grande oportunidade para o turismo evoluir. Vamos nos mexer.