
Não foi por acaso que Ivo Pioner tornou-se comerciante. Aos oito anos de idade, já fazia as primeiras vendas. No lombo do cavalo, levava para o centro de Ana Rech os produtos produzidos pelos avós, como frutas e ovos. Também não foi por acaso que se tornou proprietário de uma das mais tradicionais lojas de relógios, joias e óculos de Caxias do Sul. Pelo contrário. Teve muito trabalho, esforço e dedicação para chegar ao patamar atual, com seis unidades na cidade e planos de expansão para outros municípios.
O negócio começou pequeno, em 1966, na sala da casa da família, atrás da Igreja Sagrada Família. Depois de cumprir o expediente de oito horas na Madezorzi, Seu Ivo consertava relógios com a ajuda da esposa Claire. A dupla jornada seguiu quando o casal e os filhos mudaram-se para a casa na Rua Graciema Formolo, e durou cerca de quatro anos, até que Ivo não deu mais conta dos dois trabalhos. Pediu demissão e passou a se dedicar somente aos consertos e vendas.
— Eu tinha consciência de que, se ficasse no mesmo emprego, ia ser, no máximo, um encarregado de sessão, que eu já era quando saí. Eu não via futuro ali — conta Ivo.
A troca do emprego fixo pelo empreendimento próprio foi difícil no início. Era preciso, por exemplo, ir com frequência a Porto Alegre para comprar peças que não tinha em Caxias e, como o dinheiro era contado, o trajeto do Sagrada Família até São Pelegrino, onde ficava a antiga Rodoviária, era feito a pé. Nem sempre dava para comer também quando chegava na Capital.
— O pai sempre conta que várias vezes chegava lá e tinha dinheiro para seis relógios. Só que às vezes estavam na promoção, e o que ele tinha no bolso dava para comprar sete. Comprava os sete e voltava para casa com fome — relembra o filho Ivandro, 49.
As dificuldades foram sendo superadas uma a uma, e o negócio prosperou. Em uma época sem smart- phones, os relógios reinavam soberanos, e quem tinha "um pouco de conhecimento e vontade de trabalhar, fez dinheiro", garante Seu Ivo. Foram anos de ouro para o comerciante.
Perfeccionista
A escolha pelo ofício de relojoeiro também não foi por acaso. Visionário, Seu Ivo percebeu a demanda e tratou logo de aprender a consertar relógios. Pediu dinheiro emprestado para um tio da esposa e foi atrás de alguém que o ensinasse. Não foi simples, mas encontrou um professor:
— Vim de São Pelegrino a pé até o (monumento) Imigrante, pela Avenida Júlio de Castilhos, batendo de porta em porta para ver se eu encontrava uma pessoa para me ensinar, até que encontrei uma na Rua Conselheiro Dantas.
Ivo pagava por hora e aprendeu como fazer. A facilidade e o gosto pela perfeição foram fundamentais para que ele não só aprendesse, mas se tornasse um dos melhores relojoeiros da cidade, ofício que desenvolve ainda hoje, aos 77 anos de idade — e fica bravo quando o trabalho não sai perfeito:
— Se tu me pedir (perguntar) "tu gosta do que tu faz?", eu digo que, se realmente eu tivesse que escolher o que fazer, eu escolheria de novo o meu ramo.

O pai na sala, em meio aos relógios
Das primeiras lembranças de Ivonei, o filho do meio de Ivo e Claire, está o pai na sala de casa em meio aos relógios.
— Eu me agarrava nele para ele parar e brincar comigo. Ele me pegava no colo e continuava consertando — recorda Ivonei.
A casa e a empresa se confundiram durante muito tempo. Mesmo quando seu Ivo conseguiu abrir a loja da BR-116, no Sagrada Família, a família continuou próxima, morando no andar de cima. As crianças acabaram crescendo em meio ao negócio e, inevitavelmente, se envolvendo no empreendimento familiar.
Elisete, a primogênita, lembra que tinha seis anos quando subiu em uma cadeira para vender um despertador para um cliente. Aos 13, começou a trabalhar no balcão e no conserto.
— A gente assinava o livro-ponto. Podia brincar, sair, mas só recebia pelas horas trabalhadas — conta.
Os três filhos aprenderam a fazer consertos — despertador era o mais fácil —, a atender no balcão, a fazer compras. Também levaram inovações como a informatização na década de 1980 e a primeira facetadora computadorizada da Serra Gaúcha, uma máquina para montagem de óculos. E aprenderam o mais importante:
— Trabalhar com ética — ressalta Ivonei.

Sucessão para os filhos desde os Anos 90
Seu Ivo começou a fazer a sucessão no início da década de 1990. Foi passando aos poucos os processos para os filhos, que já estavam de alguma maneira envolvidos com o negócio. No entanto, assumir o empreendimento nunca foi uma imposição — Ivonei, por exemplo, cursou Educação Física e chegou a lecionar.
Os filhos, aos poucos, foram assumindo a empresa e a modernizando. Em 1998, por exemplo, inseriram a venda de óculos, responsável hoje pelo maior faturamento da Pioner.
— Eu disse que ia colocar a ótica e ele, com o dedo em riste, só falou: tu não vai estragar minha clientela (risos). Ele teve muita sabedoria nessa sucessão — elogia o filho Ivandro.
Hoje, os três filhos são sócios e conduzem as seis lojas, que têm 32 funcionários. Por enquanto, apenas um neto trabalha na empresa fundada pelo avô: Tiago, filho mais velho de Ivandro. Os outros não demonstraram interesse (ainda).
— A gente fica feliz, porque quando a gente assumiu era uma e hoje são seis lojas. Esse orgulho que ele fala de ser uma empresa idônea, correta, virou DNA da Pioner. É uma empresa familiar que nasceu de um sonho familiar, o pai empreendedor e a mãe dando a base — acrescenta Ivandro.
— Eu tenho satisfação de ver a loja crescer saudável, a família criada, bem educada. Não adianta amontoar dinheiro e ter problema familiar. Esse lado da família eu sempre prezei muito — completa Seu Ivo.

"Só tenho de agradecer"
Natural de Maquiné, Ivo passou um tempo durante a infância em Caxias, morando com os avós. Retornou à Serra já adulto, depois de prestar o Serviço Militar. A vinda de mala e cuia foi em 1º de abril de 1963. Logo conheceu Claire. A esposa lembra exatamente a data em que os dois se viram pela primeira vez: 1º de novembro do mesmo ano.
O namoro foi “meio arranjado”, eles contam. Uma prima dela estava de casamento marcado com o irmão de Ivo. Ela dizia que Claire precisava conhecer Ivo e ele dizia que Ivo precisava conhecer Claire. Até que um dia eles se encontraram. Foram dois anos e meio de namoro até que se casaram em 28 de maio de 1966, meses antes de Ivo inventar de ser relojoeiro.
— Ele colocou uma placa na frente de casa e começou — recorda, Claire, 76 anos.
A esposa também pegou junto. Além de costurar para fora, cuidar da casa e dos filhos, recebia os pedidos e até despertador aprendeu a consertar. Hoje, ao ver os filhos e os netos criados e que a empresa deu certo, emociona-se:
— Só tenho de agradecer.
Quase sem acreditar que, depois de tanto trabalhar, está conseguindo envelhecer sem dificuldades — até com uma casa na praia para descansar, diz ela — Claire se questiona:
— Tanta gente batalha e não consegue que às vezes penso: será que a gente merece ter uma vida tranquila?
Seu Ivo tenta responder:
— Não deixamos as oportunidades passarem.

Ainda arruma relógios de pulso e de parede
Mesmo com os filhos no comando das lojas, Seu Ivo não deixa de bater ponto. Ainda arruma relógios de pulso e de parede. A diferença é que agora se permite um horário mais flexível. Não precisa mais madrugar nem entrar noite adentro trabalhando.
Hoje, Seu Ivo tem dedicado o tempo para aproveitar a chácara e a casa na praia, em Capão da Canoa, com a esposa.
Na praia, gosta de reunir a família, principalmente no final do ano. Ver a mesa cheia, seja para comer, seja para jogar cartas, é uma alegria para o casal Pioner. Os temperos e verduras cultivados na hortinha da casa também enchem de alegria os dois.
— Para nós, é fantástico estar na praia. Como o pai é natural de Maquiné, a praia nunca foi como para os outros. É a nossa origem. A gente adora passar horas e horas, dias e dias em Capão — destaca Ivonei.
— O pai sempre gostou de de levar a gente de férias, andar de bicicleta, caminhar na praia — complementa Elisete.
Satisfação dos funcionários é fundamental
Uma das maiores preocupações de Seu Ivo na empresa é manter um bom ambiente de trabalho. Para ele, é fundamental que os funcionários estejam satisfeitos.
— Se a pessoa não está feliz, não vai trabalhar, não vai vender. Isso ele nos ensinou. Então, a gente tem que proporcionar o melhor ambiente possível para as pessoas — diz Ivandro.
— Está no nosso DNA o acolhimento. Para que as pessoas se sintam em casa — completa Ivonei.
Seu Ivo encara a empresa como um prolongamento da família.
— A gente preza pelos valores éticos, morais e cristãos. E esse ambiente de "amorização" a gente traz para dentro da loja. A gente valoriza muito o empregado. Não me sinto bem de ver uma pessoa trabalhando meio de queixo duro, desgostosa — explica.
Se ele está conseguindo? Ieda Molin, gerente da loja matriz e há 12 anos na empresa, responde:
— É maravilhoso trabalhar aqui. É uma família. Me sinto como se estivesse na minha própria casa.

"Sempre tem um bom conselho"
Em meio às atividades diárias da empresa, Ivo e Claire sempre arranjaram tempo para o voluntariado. Muito ligados à Igreja Católica, integram a Escola de Pais do Brasil há 40 anos — o movimento ajuda pais na tarefa de educar os filhos.
Elisete, filha mais velha, chegou a ter um pouco de ciúmes da dedicação que o pai e a mãe dispendiam para outras famílias. Agora, no entanto, agradece o exemplo:
— Quando entraram na Escola de Pais, a gente achava que eles ajudavam mais os filhos dos outros, mas hoje a gente vê a importância que foi.
O pai, aliás, é a pessoa que ela busca quando mais precisa de ajuda.
— Ele sempre tem um bom conselho — revela.
OS PASSOS
> Setembro de 1966
Início das atividades, na sala da casa próximo à Igreja Sagrada Família.
> 1969
Mudança para a casa da Rua Graciema Formolo.

> Agosto de 1977
Abertura da primeira loja, na BR-116, bairro Sagrada Família.
> Março de 1995
Abertura da loja Rio Branco, em frente ao quartel do 3º GAAAe.
> Abril de 1999
Abertura da loja da Os Dezoito do Forte.
> Novembro de 2010
Abertura da primeira loja em shopping, no Bourbon San Pellegrino.
> Março de 2012
Abertura da loja da Avenida Júlio de Castilhos.
> Setembro de 2015
Abertura da loja da Sinimbu, no prédio da antiga Metalúrgica Eberle.