Maristela Scheuer Deves
Certo domingo, muitos anos atrás, um menino de cinco anos parou atrás do pai, que lia o jornal, e começou a soletrar o título da matéria estampada na página. Embora ainda não fosse à escola, o pequeno Décio Osmar Bombassaro havia aprendido a ler ouvindo, enquanto brincava, as aulas de reforço que a prima Lea Tomasi Possi ministrava em sua casa, em Caxias do Sul.
Daquele domingo até agora, passaram-se mais de sete décadas, mas a paixão de Bombassaro pelas letras só cresceu. Com formação nas áreas de Letras, Filosofia e História, sua biblioteca mescla obras sobre a civilização grega e vários volumes de filosofia à ficção de Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Cervantes, Shakespeare, Dante Alighieri, Júlio Verne, Guy de Maupassant e Proust, entre inúmeros outros autores.
– Sempre li muito, isso abre a imaginação – conta Bombassaro, 78 anos, que autografa neste sábado o seu primeiro romance, A Apelação de Sócrates – Réplica e Tréplica do Absurdo (AMZ, 160págs., R$ 35).
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Assim como os livros nas estantes do apartamento e sua própria formação acadêmica, também o romance (ou novela, como ele prefere) mescla filosofia, história e literatura, áreas com as quais "o espírito se agiganta", na concepção do autor. A trama perpassa dois tempos, começando nos anos 1920, num sanatório na Áustria, em que um escritor moribundo e desconhecido (mas que viria a se tornar referência nas letras mundiais) recebe a visita, nos seus últimos momentos de vida, da "sombra" de um poeta alemão do Século 18, que o leva para a Grécia antiga para testemunhar nada menos do que um novo julgamento de Sócrates, que recorreu aos deuses mais de 2 mil anos depois de ter sido condenado por seus ensinamentos.
No decorrer do julgamento, o leitor vai tendo contato com uma mescla de mitologia e razão, enquanto, na Ágora, se digladiam grandes nomes do pensamento universal, alguns defendendo, outros acusando o grande filósofo. Deuses e heróis gregos, como Apolo, Dioniso, Hefesto e Perseu, conduzem o julgamento, que conta ainda com personagens mascarados que trazem à plateia (e ao leitor) um pouco dos ensinamentos e das ideias de Platão, Hegel, Maquiavel, Cícero, Kierkegaard e Nietzsche, entre outros.
Além dessa riqueza cultural escondida sob uma história de ficção, a linguagem é uma atração à parte, com diversas palavras e expressões em outras línguas – a maioria em alemão, mas algumas em francês, italiano, latim e, claro, grego. Não há, entretanto, motivo para se assustar: a compreensão é fácil pelo contexto, e, no fim do livro, há ainda um glossário desses termos.
Uma leitura instigante, e que traduz um pouco a bagagem cultural do escritor, que foi por 32 anos professor universitário.