Siliane Vieira
Apesar de ser um verbo muito ligado ao mundo corporativo, negociar é também um talento que facilita a vida social em muitos âmbitos. A escritora e palestrante gaúcha Simone Simon foi pesquisar o tema na Universidade de Harvard e o resultado disso está no livro recém lançado Faça ser Fácil: Negocie e obtenha resultados extraordinários na vida, na carreira e nos negócios (Editora Gente, 144 pgs, R$ 29,90). Especialista no assunto, Simone dá dicas valiosas de como aplicar a negociação para a vida, da forma mais adequada.
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O que te fascina no assunto negociação?
Simone Simon: Comecei a estudar negociação por um acaso. Eu cresci ligada ao comércio. Minha mãe teve uma pequena loja por mais de 40 anos em Montenegro, onde nasci e vivi até os 25 anos de idade. Todo esse tempo, ajudei na loja. Como morávamos na mesma casa, com três anos, eu já "trabalhava" lá, era a campainha. Quando chegava alguém, chamava "mãe, mãe, mãe, chegou cliente". Com isso, cresci ouvindo "essa é negociante desde pequena". Cresci achando que negociar era entender de comprar e vender algo. Mas o tempo foi passando e eu perdi muita coisa ao longo da vida por ter pouco jogo de cintura e não ser flexível. Achava que as coisas tinham que ser do meu jeito, tanto no trabalho como nos meus relacionamentos pessoais. Quando não eram, me sentia frustrada e chateada. Quando comecei a estudar negociação, através do convite de uma amiga, entendi, na primeira aula, que compra e venda era apenas um fragmento do que era negociação. Negociação é muito mais do que isso, é uma forma poderosa de se relacionar, de solucionar conflitos e resolver impasses. Depois dessa primeira aula, percebi tudo que eu fazia de errado, e mudei. Ao mesmo tempo em que passei a atingir mais as minhas metas, meus resultados passaram a ser muito mais positivos e sustentáveis ao longo do tempo e meus relacionamentos se fortaleceram.
Você afirma que negociar é uma forma poderosa de relacionamento. Em que campos da vida social podemos utilizar essa "arma"?
Simone: Costumo dizer em minhas palestras que, para tudo que depende apenas de você, motivação é fundamental. Mas para todas as outras coisas que, de alguma forma, envolvam uma ou mais pessoas, você precisa, inevitavelmente, negociar. Portanto, seja na vida pessoal ou profissional, com amigos ou familiares, no ambiente de trabalho ou durante a compra de um bem, num momento de crise econômica ou num sequestro, negociar está sempre presente na vida dos indivíduos. Onde há relacionamento, há negociação. Portanto, seja para liderar melhor sua equipe, engajar seu time, fechar a venda com um cliente difícil, comprar ou vender um bem, fechar uma parceria com um fornecedor, educar o seu filho, pedir aumento salarial, ter uma ótima relação com sua esposa ou seu marido, decidir se troca de carro ou viaja nas férias, que filme assistir com o namorado, conseguir vender sua ideia para o chefe, garantir resultados positivos em épocas de crise... não tem como deixar de negociar se você quer ter sucesso e ser feliz.
Quais são as principais características de um bom negociador?
Simone: Negociamos para resolver um conflito ou solucionar um impasse. Para ser um bom negociador, você precisa ter habilidades de relacionamento e comunicação bem desenvolvidas a fim de atingir o resultado esperado, que atenda aos seus interesses e gere satisfação para as partes envolvidas. O bom negociador, portanto, apresenta as seguintes características:
- Planejamento: ele prepara a negociação, considerando seus interesses e os da outra parte, estabelece metas, considera possíveis pontos de conflito e onde ele pode ceder. Ele analisa o histórico do relacionamento e busca por pontos em comum e valores que são compartilhados. Busca o que une, não somente o que contrapõe o outro.
- Escuta ativa: o bom negociador é curioso, faz perguntas e se interessa verdadeiramente em compreender o ponto de vista do outro e contexto que o cerca.
- Controle emocional: muitas negociações são difíceis, cansativas e frustrantes, podendo fazer com que você se exalte. Controlar as emoções, conter o impulso de reagir e ajudar o outro neste caminho faz a negociação seguir de forma mais fluida e abre caminho para a construção do consenso.
- Investimento no relacionamento: constrói relacionamento de longo prazo, baseado no respeito, confiança e atitudes éticas.
- Busca pelo melhor acordo possível: procura uma variedade de soluções para um problema, constrói opções de ganhos para ambos os lados, mantém o foco nos interesses, ao invés de "bater pé" numa posição.
A negociação familiar ou em casal está entre as mais difíceis, já que os envolvidos precisam lidar ainda com o sentimento que possuem um pelo outro. Como dosar emoção e razão nessas horas?
Simone: Lidar com as emoções e sentimentos que nos acometem enquanto negociamos pode nos fazer ter sucesso ou fracasso nos nossos acordos. Reações automáticas, muitas vezes resultantes da falta de preparo para enfrentar a situação, podem agravar o conflito, tanto na família quanto no trabalho. A dica é buscar o equilíbrio certo entre razão e emoção através do autoconhecimento e planejamento. Como em negociações profissionais, a preparação criteriosa é o primeiro passo. Antecipar os possíveis pontos de discordância e conflito, entender as razões dos interesses antagônicos, analisar previamente aquilo que você sabe que o outro fala ou faz que te causa uma emoção negativa e uma reação indesejada, bem como buscar os pontos em comum, que unem, ajuda no controle emocional e na resolução do conflito de forma coerente e sustentável.
Por falar negociação familiar, você acha saudável pais que costumam lidar com os filhos sempre na condicional? Tipo, "se você fizer isso, eu te dou aquilo.."
Simone: Acho muito legal quando os pais me perguntam se tem como negociar com crianças. Vejo pelos meus afilhados e sobrinhos que a tarefa nem sempre é fácil, a criança é muita incisiva e os pais, por sua vez, alteram com frequência entre "ceder" ou manter a sua posição até o fim, mesmo que implique em castigos à criança. Eu, que acredito que negociação é uma forma de se relacionar, vejo neste desafio de negociar com crianças uma grande chance de aprendizado para os pais e uma grande chance de educar os filhos. Em negociação, estudamos o que se chama de "parentalidade persuasiva", que permite capacitar você e seu filho para negociar soluções duradouras e criativas para os conflitos. Acredito que o exemplo dado pelos pais se reflita no comportamento das crianças. Por isso, você até pode trabalhar com o condicional, pois negociação envolve mesmo trocas. Porém, tem 2 situações nas quais não concordo com isso:
- aquilo que é obrigação/ dever da criança (estudar, fazer o tema, arrumar a cama, escovar os dentes). Neste caso, não deve haver a possibilidade de ganhar algo em troca. Você pode até negociar "quando" ela vai fazer isso, se antes ou depois de brincar, por exemplo, mas tem que ser cumprido.
- usar o condicional é cumprir com a promessa. Só fale o que você pode cumprir. A negociação não encerra quando o acordo é fechado, mas quando o acordo é cumprido. Não cumprir faz você perder o respeito e confiança, aspectos fundamentais para a negociação relacional.
O que fazer quando a negociação não termina como o esperado?
Simone: Se você tiver feito um bom planejamento da negociação, já deve, inclusive, ter esta resposta. Na fase de preparação, você deve mapear sua melhor alternativa no caso de não fechar o acordo do jeito que gostaria. Quanto mais opções você tiver, melhor. Dentre elas, aquela que for mais forte determinará seus próximos passos. De qualquer forma, fechando ou não o acordo, tendo ou não obtido o resultado esperado, é sempre válido avaliar o seu desempenho, as suas reações, o que poderia ter feito diferente. Isso promove uma maior conscientização do processo de negociação e permite você evoluir na construção de opções de valor para ambos os lados e nos resultados futuros.
Quais são os fatores que mais atrapalham as negociações?
Simone: Negociação envolve conflitos de interesses o que faz, naturalmente, que muitos fatores atrapalhem o processo. Quando nos preparamos para a negociação que vamos enfrentar, conseguimos mapear melhor os nossos interesses, os interesses da outra parte, os pontos mais críticos para chegar ao consenso, o que podemos ceder e as opções que podemos construir tanto para gerar mais benefícios quanto no caso do acordo não ser fechado. Quando não nos preparamos para a negociação, ficamos mais vulneráveis e tomamos atitudes que, caso tivéssemos planejado, seria mais fácil de controlar. Entre esses fatores que atrapalham, vemos constantemente:
- excesso de confiança: faz com que você não se prepare, não avalie o que está em jogo, quais são os interesses, quais são as opções;
- ignorar o outro: a dificuldade de ver a situação com os olhos do outro faz com que você não negocie, mas imponha o seu ponto de vista;
- arrogância: muitos fazem uso do poder e da prepotência e, mesmo que cheguem a um acordo, não tem o comprometimento do outro lado;
- uso de táticas sujas: tentar iludir ou enganar o outro lado é um tiro que pode sair pela culatra. O outro descobrindo que foi enganado, vai perder a confiança ao negociar novamente com você; ferir ou atacar pessoalmente o outro desmoraliza e faz perder o respeito;
- pensar no curto prazo: o mundo é pequeno e dá voltas, por isso evite pensar no curto prazo, é possível que você volte a encontrar a pessoa ou alguém conhecido. Se você está negociando algo pontual, com alguém que nunca mais vai voltar a negociar, eu entendo isso como uma transação apenas, não como negociação.
- deixar-se levar pelas emoções: se alterar, ceder à irritação, à falta de paciência, não saber ouvir, não deixar o outro falar. Muitas pessoas até partem pra agressão, seja física ou verbal.
Como manter a confiança mesmo em situações onde a tensão é inevitável?
Simone: Um dos maiores problemas é que quando a tensão chega, perdemos o controle e passamos a agir de acordo com nosso lado mais irracional e inconsciente e isso tende a agravar o problema, bem como a dor e sofrimento do momento. Se possível, saia do "campo de batalha" por algum tempo. Tome um café, respire, faça um exercício. Isso serve para controlar a ansiedade e nervosismo e permite você analisar a situação mais racionalmente, sem comprometer o resultado que deseja alcançar.
Na hora de negociar, homens e mulheres costumam agir de forma diferente?
Simone: As mulheres têm um perfil mais cooperativo, enquanto o homem é mais competitivo. A mulher procura ouvir mais, fazer muitas perguntas, entender o outro lado com mais habilidade. Na verdade, a mulher negocia melhor para os outros do que para si própria. Historicamente, as mulheres eram coletadoras e os homens, caçadores. O homem era responsável pela caça e, a mulher, pelo cuidado à família. As meninas foram ensinadas a pensar mais nas necessidades alheias e, os meninos, nas suas próprias necessidades. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ela passou a ser também "caçadora", responsável, inclusive, pelo sustento de muitos lares. Evoluímos nesse sentido, porém o fator genético segue impregnado em nós. É "normal" achar que uma mulher não deva pensar nas suas necessidades. Então, elas pedem menos e, quando o fazem, contentam-se com a primeira proposta.
Os resultados da negociação são diferentes para homens e mulheres, porém não significa que a mulher negocia mal, significa que ela normalmente não o faz. Mulheres têm propensão de iniciar uma negociação de 2 a 9 vezes menor que o homem. Com isso, elas perdem oportunidades. Além disso, por terem metas normalmente menores, chegam a ter resultados 25% inferiores. As metas afetam o resultado. Costumo falar nas minhas palestras da importância de ter metas altas. Se você tiver uma meta absurdamente alta e falhar, seu fracasso será muito maior que o sucesso de quem teve meta pequena.
O homem precisa entender que ter uma mulher ao seu lado é uma vantagem competitiva na hora de negociar, seja para trocar de carro, de apartamento ou na hora de fazer uma apresentação e vender um produto. A mulher traz perspectivas que podem ser ignoradas pelo homem pela simples forma de pensar diferente. O processamento cerebral masculino e feminino é distinto. O homem é focado, a mulher é sistêmica. São habilidades complementares que podem gerar resultados muito mais positivos e sustentáveis. A própria diversidade de opiniões e backgrounds podem ajudar times de negociadores a garantir que eles estejam cobrindo uma ampla gama de questões relevantes e desenvolvendo plenamente oportunidades para criação de valor.
Que dicas você daria para aquela pessoa que tem muita dificuldade na hora de negociar. Quais são os primeiros passos?
Simone: 1) Planeje: estabeleça objetivos e possíveis moedas de troca antes de negociar. Entenda quais são os seus objetivos e os da outra parte. O que você pode dar para ter o que deseja? O que você pode abrir mão? Quais os possíveis pontos de conflito e o que pode fazer para minimizá-los? Caso você não feche o acordo, qual seu "plano B"?
2) Escute mais: faça perguntas, seja curioso, ouça ativamente, busque entender os desejos e necessidades do outro. Assim, você terá acesso aos reais interesses e sentimentos do outro, demonstra interesse e não lhe custa nada.
3) Controle suas emoções: sentir-se frustrado, incompreendido ou agredido leva a reações automáticas que agravam o conflito e afastam de um acordo ganha-ganha. Não precisa esconder o que sente, mas busque o equilíbrio entre emoção e razão.
4) Proponha opções de troca: negociar significa oferecer alguma coisa em troca de algo. Para fechar bons acordos, foque no relacionamento, ceda no que você puder, crie opções de valor para o outro lado e tenha sempre em mente o resultado que você deseja alcançar.
5) Cumpra o que foi acordado: a negociação não se encerra quando o acordo foi fechado, mas quando o acordo for cumprido.
6) Vá para a "sacada": principalmente quando estiver perdendo a calma, não estiver conseguindo encontrar uma forma de solucionar o conflito ou não saber como chegar a um acordo positivo, vá para a "sacada", um lugar que você possa respirar, relaxar um pouco e ver a situação de fora, de um novo ângulo. Costuma-se dizer que quem está de fora vê a batalha melhor do que quem dela participa. Saindo do ambiente da negociação, você amplia a visão, compreende o que aconteceu, acalma os ânimos e pode encontrar novas soluções. Você também pode (e deve!) ir para a "sacada" após ter dado tudo certo e você ter conseguido o que desejava. Esse ciclo promove a conscientização do processo de negociação e permite evoluções.