Siliane Vieira
A avalanche que assusta turistas nos Alpes franceses logo no início do longa Força Maior - estreia desta semana na Sala de Cinema Ulysses Geremia - serve de figura de linguagem para o que a trama vai mostrar a seguir. O filme não é sobre catástrofe natural, mas a neve que despenca do alto da montanha atinge diretamente (e com ares de devastação) uma família de turistas que passa férias no local, ainda que eles permaneçam fisicamente ilesos. Com direção do sueco Ruben Östlund, a produção desprende olhar cômico para falar de dramas familiares.
Explicando melhor, o casal Tomas (Johannes Bah Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli) leva os dois filhos para uma temporada de férias nos Alpes. A principal reclamação da mulher é que o marido trabalha demais, portanto, a viagem servirá para a família se curtir. Mas isso é exatamente o que não vai acontecer; e a cena da avalanche entra aí com total importância. Quando os quatro admiram a paisagem invernal na varanda de um restaurante, a neve começa a cair com força dos Alpes. Num momento de perigo iminente, Ebba tenta proteger as crianças, enquanto Tomas agarra o celular e sai correndo. Foi só um susto, ninguém se machucou, mas o peso da situação vivida fica no ar como uma nova tempestade de neve prestes a despencar.
O filme foi escolhido pelo júri como o melhor da mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes 2014. A escolha pelo caminho cômico para contar a história se mostra como um grande trunfo na mão do diretor. Por exemplo, Ebba escolhe justamente um informal jantar com amigos para desabafar sobre a atitude de Tomas perante o possível desastre na neve. Depois, ela repete o lamento na frente de outro casal, sempre colocando os convidados (e claro, o próprio marido) em posições constrangedoras. O clima tenso é geralmente quebrado por alguma situação insólita - tipo, um drone que surge do nada e atinge a cabeça de alguém (aliás, não há como não simpatizar com o papel do coadjuvante barba ruiva Kristofer Hivju, que talvez você conheça de Game os Thrones).
O diretor também é esperto ao abusar de cenas com câmera parada, que conferem certa bizarrice a algumas situações banais. Um desses casos é o plano aberto no espelho que reflete a repetida ação da família ao escovar os dentes diariamente. Eles usam aquelas escovas automáticas de barulhinho irritante, possivelmente uma brincadeira com a própria automatização do relacionamento entre eles. A trilha também é bem utilizada, fazendo Vivaldi contribuir com as angústias dos personagens.
Mas o longa ganha pontos, principalmente, por discutir os papeis predestinados a cada um de nós na sociedade (focando mais na questão paterna). Primeiro, condenamos a falta de sensibilidade de Tomas com a família. Depois, acabamos nos envolvendo com o "anti-heroísmo" dele. As belas tomadas dos personagens na vastidão da neve também questionam suas (ou nossas) insignificância e pequenez. A força maior mostrada no filme é mesmo a natureza, mas não aquela que derruba avalanches, e sim a humana, a nos guiar por caminhos inesperados.
O longa fica em cartaz até o 7 de junho, com sessões às quintas e sextas, às 19h30min, e aos sábados e domingos, às 20h. Ingressos a R$ 8 e R$ 4 (estudantes e idosos). A Ulysses Geremia fica no Centro de Culturas Ordovás (Luiz Antunes, 312).