Raquel Fronza
Uma mãe de 18 anos, jovem e inexperiente, um pai de 24 anos, desempregado. Essa combinação de fatores, tão comuns em famílias que se formam diariamente em todos os cantos do país, é muito rasa para afirmar que o futuro de um filho será construído sem amor e dignidade. Mas não foi esse o entendimento de autoridades. Numa decisão ainda não totalmente esclarecida, assistentes sociais e conselheiros tutelares consideraram que o casal de São Francisco de Paula seria incapaz de cuidar de um recém-nascido, identificado nesta reportagem como Pedro (nome fictício). Havia a suspeita de que o casal usasse drogas. Por esse motivo, optaram por encaminhar o bebê para um abrigo.
Mais: além de crescer longe do calor do colo materno, os pais não puderam ver o menino durante meses. Neste período, em tempo recorde para os padrões de uma rede de proteção à criança, Pedro deixou o abrigo sete dias depois e foi encaminhado para uma Família Acolhedora, projeto que sequer existe na Serra Gaúcha. De lá, seguiu para outra família, que se dispôs a brigar pela guarda dele, sendo que o pequeno jamais esteve disponível para adoção. O tempo mostrou que a primeira avaliação sobre o casal estava equivocada: o parecer da Justiça desconsiderou a suspeita de que os jovens usavam drogas.
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– Eu nem sei explicar o que a gente sentiu. Era um sonho nosso. Acharam que a gente era ruim pra criança, então fizemos o que eles pediram. Mas olha o que aconteceu – desabafa a mãe.
Agora, o último parecer judicial indica que a criança deve voltar para os pais em até 30 dias – a assistência social do município pedirá mais 30 para a adaptação ser gradativa. Neste período, o casal passará por acompanhamento e deverá comprovar que o bebê crescerá num lar adequado. Caso contrário, aí sim Pedro corre o risco de entrar para a fila de adoção – desta vez, com os trâmites corretos.
Para entender a decisão que afastou a criança dos pais é preciso conhecer o contexto: a história começou em uma vila de São Francisco de Paula ainda no ano passado, com o casal desempregado e em condições financeiras difíceis. Como buscaram atendimento na rede pública, marido e mulher passaram a ser acompanhados pela assistência social e pelo Conselho Tutelar. Numa dessas avaliações, levantaram a desconfiança dos técnicos, que os considerou imaturos, além da questão do suposto uso de drogas: a mãe admitiu, por exemplo, que não sabia ainda trocar fraldas.
A indicação mais forte para que a criança saísse do berço familiar foi do próprio Conselho, que emitiu parecer indicando que o bebê estava magro e mal cuidado pelos pais. Ao entregar a criança para a assistência social de São Francisco de Paula, poucos dias após o parto, os pais sabiam que travariam uma batalha para reavê-la.
O caso complicou com o envolvimento de uma família acolhedora, indicada pela Justiça para cuidar da criança enquanto a situação do casal era avaliada. O bebê saiu do abrigo e foi morar numa moradia com muito mais conforto e recursos. Seis meses depois, esses acolhedores entregaram o bebê para uma outra família. Detalhe: diferentemente dos pais do bebê, essas duas famílias têm influência e dinheiro na cidade. A disputa em torno de Pedro só acirrou.
A briga pela guarda gerou boletins de ocorrência, investigações e conflito entre os envolvidos. Provocou comoção até entre moradores de São Francisco de Paula, cidade com 21 mil habitantes. Nas ruas, há quem defenda que a criança deveria permanecer no lar mais confortável das famílias ricas, e os que julgam que o melhor é o retorno do bebê ao lar de origem. Até uma policial civil, supostamente próxima da mãe acolhedora, está sob investigação (leia mais abaixo).
Na semana passada, a Justiça ordenou que o bebê voltasse ao abrigo e passasse por um processo de adaptação ao lado dos pais verdadeiros. O equívoco pode estar perto de ser desfeito, mas o estrago levará tempo para ser reparado.